"O que você sabe sobre esta questão?", disse o Rei para Alice.
"Nada", disse Alice.
"Absolutamente nada?", insistiu o Rei.
"Absolutamente nada", disse Alice.
"Isso é muito importante", disse o Rei... (Lewis Carroll)



quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Barbárie desarmada

O controle informatizado de tudo e todos, do celular ao cartão de crédito, terá o contraponto revolucionário dos desistentes da tecnologia, neo-hippies que não mais se juntarão em comunidade para cultuar uma falsa natureza, mas, lobos solitários, preguiçosos e tranquilos, sem telefones nem computadores, cultuarão tudo que é devagar e ali na esquina. (Cristóvão Tezza, na Folha, alguns anos atrás)

Encontrei esse texto recortado do jornal no meio de um livro que há tempos não abria. Era parte de uma matéria especial, que reunia figuras de várias áreas de atuação e/ou interesse falando sobre novas tendências e rumos da tal civilização contemporânea. Lembro que me identifiquei de imediato e pensei "puxa, encontrei minha tribo!". Mas, lendo de novo agora, me dei conta de que não dá pra ter uma tribo de lobos solitários... Ainda assim, se alguém souber o endereço, me avisa com um sinal de fumaça.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O piado das corujas

Abriu os olhos naquela manhã, e tudo o que via eram as paredes rodando rodando rodando lenta e suavemente. Num piscar de olhos voou pro banheiro e foi sentindo seu corpo pesar cada vez mais sobre o vaso que parecia flutuar. O mundo rodante foi se apagando à sua volta, e seu corpo tombou pro lado feito uma árvore desequilibrada incapaz de resistir a uma ventania. Perdera os sentidos pra encontrar o sentido no chão gelado contra a sua face e na língua que aos poucos descobria caminhos através de um dente quebrado. Mas que sentido? Nada fazia sentido naquele mundo desgovernado. Queria se levantar, mas o corpo não obedecia e apenas se ergueu alguns milímetros pra se abrigar sobre o tapete. Ali, naquele momento que parecia uma eternidade, só queria que as corujas que ajudara a extinguir no boteco da noite anterior parassem de piar dentro da sua cabeça pra que, em silêncio, pudesse voltar a dormir e a sonhar com a dama de vermelho.

domingo, 7 de novembro de 2010

Somos

dois pares de pés desencontrados caminhando errantes sobre a areia macia e prestes a sair da paisagem pra quem sabe um dia se encontrar numa outra fotografia.

domingo, 24 de outubro de 2010

Porque hoje não é sábado

não tem construção
porque hoje não é sábado
ninguém morreu na contramão
porque hoje não é sábado
kibon
não tem quermesse
porque hoje não é sábado
nem bolinho de aipim
porque hoje não é sábado
ai de mim
não tem casamento
porque hoje não é sábado
nem espetáculo tem não
porque hoje não é sábado
palhaço não ri
nem esperanças se renovam
porque hoje não é sábado
não tem perspectiva de domingo
porque hoje não é sábado
ninguém dorme até mais tarde
porque hoje não é sábado
há uma sensação angustiante
porque crianças passam fome
ainda que hoje fosse
sábado

domingo, 17 de outubro de 2010

Coração vagamundo

Quando pensa em você esse coração embarca no teu olhar distante e (di)vaga pelo lindo labirinto do teu sorriso não vendo a hora de se albergar nas tuas mãos ausentes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A cura do mundo

Um dia você acorda todo feliz, vai pro chuveiro e, de repente, vê seu box se transformando numa banheira porque a água inexplicavelmente se recusa a descer pelo ralo. Gravidade ao contrário, você pensa. Termina o banho apressado na ponta dos pés pra não afogar os joelhos e sai correndo dali. De volta ao quarto, dá de cara com os restos da festança da noite anterior. Da festança dos cupins que inexplicavelmente resolveram fazer da sua madeira tratada o prato principal do seu jantar enquanto escavam túneis intermináveis, intermináveis até que o armário acabe. Marceneiro safado, você pensa. E dá uma vontade de sair correndo dali também e ir pra rua, ver o dia de perto, tomar sol e fugir dessas coisas inexplicáveis. Mas o sol também inexplicavelmente não saiu naquela manhã que nem era de segunda-feira. Melhor voltar logo pra cama e ficar ali, escondido, até que o mundo se cure, ou se explique.

sábado, 4 de setembro de 2010

Revisitando Carlos

Quando ele nasceu, um negrinho que pastoreava por ali olhou pra ele e disse: "Vai, guri, ser gaúcho na vida!". E ele foi. Cresceu e se criou lá nos campos de cima da serra, onde o bom Jesus colore o céu e também a terra. Aprendeu a arte do laço e o compasso da gaita alegrava suas noites de fogo de chão na campanha. Um dia enamorou-se da prenda Ana que amava João que pra encurtar a quadrilha não amava Teresa mas amava Lili que amava Ana também, mas não contava pra ninguém. Desiludido trocou a gaita pela guitarra elétrica e foi se embora pra capital tocar numa garagem hermética. E lá conheceu Carolina de outra história com quem dividia suas noites de porre até um dia encontrar seu bom fim. Logo ali rumo ao ocidente tinha uma sinaleira aberta no meio do caminho. Só ele não viu.

sábado, 28 de agosto de 2010

Logo(ex)cêntrica

em (des)cons
                    c
                            o
                         n
                               s
                      t
                                             r
                                                                   u
                              ç
                                                                          ã
                                                                                                              
                                                                                                                    
                                                                                                                          o
           

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Depois que ela saiu

Depois que ela saiu, seu desejo era voar janela abaixo. Não o fez. Afinal, estava só no primeiro andar.

sábado, 14 de agosto de 2010

Spiderman is having me for dinner tonight...

Tudo vira sombra em dias de sorriso partido. E as sombras sobram por todo lado, nas ruas apagadas de sol, nos corredores quadriculados, nas janelas esfumaçadas, nas paredes e nos tetos meio acesos. Algumas dançam alegres na parede acompanhando o pulsar da chama de uma vela ao ritmo de uma música tocada ou imaginada na cabeça de quem as segue. Outras tentam suavemente se desprender do teto querendo devorar a cabeça de quem as teme. E só as famílias de pequenos insetos que habitam os cantos mais altos da parede assistem a tudo antes de a meia-luz se apagar. Vigilantes, espiam a dança embolorada do tecer da teia que prenuncia o banquete.

domingo, 8 de agosto de 2010

Uma paulista no Portinho

É um enorme privilégio ser turista no lugar que se escolhe pra viver. Olhos de turista são mais tolerantes e generosos com o que veem e, acima de tudo, jamais perdem o elemento curiosidade, graças ao qual se está sempre descobrindo novidades mesmo no antigo. Cerca de um ano e alguns domingos atrás esses olhos saíram pra passear num dia ensolarado, bem diferente do de hoje, e o resultado ficou registrado num e-mail compartilhado com amigos daqui e de fora. O texto vai reproduzido na íntegra a seguir e é de novo dedicado aos meus caros e minhas caras imprescindíveis que ajudam a dar um sentido familiar ao estrangeiro.
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Nas entrelinhas do trabalho que não termina me dei conta de que este mês completo 8 anos de Portinho. Passou voando. Parece que foi ontem ainda que andava perambulando com dor no pescoço de tanto olhar pros altos da Cidade Baixa à procura do que seria minha primeira "casa própria". Primeiro meio-inverno, depois flores coloridas, forno alegre sem férias, folhas caídas, e tudo de novo, várias vezes. E, apesar dos pesares, o encanto ainda não se quebrou. Não só pelas águas do Guaíba, mas também pela insólita semelhança com a atmosphere mancuniana, principalmente nos dias nublados, de frio, chuva ou neblina intensa, ou tudo junto, quando o mundo fica todo preto-e-branco e soa melancólico e faz a gente imaginar que em algum lugar there is a light that never goes out...

E domingo foi um dia atípico de Manchester em pleno Portinho. Abri meus olhos de turista e saí por aí com uma amiga, num roteiro tipo gastrocultural. Primeiro, uma passada rápida no brique pra comprar um babador pra um amigo que acabou de virar avô. Mais do mesmo: estátua viva, homem-que-salta-no-meio-das-facas-incendiadas, banda folk country, indiozinhos que cantam sem casa nem cultura próprias, além das cuias saídas pra tomar sol. Tédio igual, menos algumas pessoas, turistas-não-residentes.

E aí, inesperadamente, o diferente. Na procura de um lugar pra almoçar que não tivesse tão abarrotado, os olhos de turista avistaram do outro lado da rua uma casinha com o nome de Santa Felicidade. Oooops! Um pedacinho de Curitiba em pleno Bonfim? Não. Só uma feliz coincidência de nomes. Uma graça de lugar, com uns donos bem legais. Comida ótima (risoto de salmão foi a escolha), bom vinho e bom preço. Onde? Logo ali no início (ou fim, dependendo da perspectiva) da Santo Antonio.

Depois dessa santa felicidade, centro cruzado a pé, no rastro do sol, rumo ao Gasômetro. Último dia de "o riso e a melancolia". Mais diferente. Mais riso que melancolia, humor meio negro, como no cartaz ao lado, e muitos ternos olhares sobre quatro patas no video de William Wegman com seus weimaraners.
Frio, céu azul, comida, diversão e arte. Um dia perfeito no portinho alegre que deixo aqui registrado pros ausentes e presentes, partidos e voltados, importados e deportados.

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Agora, já com pouco mais de 9 anos de Portinho, depois de um verão insuportável e em meio a um inverno digno da mudança pra cá, o olhar segue encantado e presenteado com novas descobertas. Hoje, num domingo de cidade cinzenta e recolhida, antes de me entorpercer bebendo vinho, melhor foi encarar uma sessão tripla de cinema, no Cine Bancários. Última oportunidade pra ver a mostra Vídeo Índio Brasil edição 2010. Imperdível, mas que muitos não-turistas perderam.

Os "indiozinhos" do domingo acima saíram das ruas e foram parar nas telas pra contar como os brancos "os cercaram em chiqueiros" [tomando emprestado a fala envergonhada de um deles] e nos chocar com sua "crueldade" ao nos mostrar como se abate um sabiá de pescoço vermelho com um tiro de estilingue e depois se come o bicho assado à moda antiga. Cruéis eles? Os brancos também comem bicho e não são menos cruéis só porque podem pagar por isso.

No intervalo entre uma sessão quase exclusiva e outra, o presente extra foi conhecer os bastidores do cinema, a sala de projeção e o funcionamento de um projetor de filmes em 35mm, além de aprender como se emenda uma tira de filme na outra. Raridade hoje em dia. Raridade também o Fernando, o operador, que adora o que faz, bem a la Alfredo & Totó.

Baita viagem! Muito bom ser turista sem sair de casa...

Teorizações sobre tudo I - Amores e sapatos

Amores são tão difíceis de encontrar quanto sapatos novos. Quando aparece um par legal, já tá nos pés de outra pessoa.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Olhos

Como dizia Nenhum de Nós,
"havia algo de insano naqueles olhos"
olhos castanhos
olhos azuis
olhos vermelhos
olhos insanos

mas ninguém de nós tinha mais 17 anos
nem baixava a cabeça pra tudo
e as coisas aconteciam sem nenhuma explicação

mas havia algo de medo naqueles olhos
olhos castanhos
olhos azuis
olhos vermelhos
olhos insanos
a nos entregar

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

É melhor ser alegre que ser triste

O grande poetinha estava pra lá de certo. É mesmo melhor ser alegre que ser triste, mas nem por isso não se pode "não ficar" triste. Às vezes é melhor, e necessário, ficar ou estar triste. Diante de uma má notícia, uma perda, um rompimento, uma separação, ou até mesmo diante de um dia cinzento e frio como o de hoje, a tristeza pode ser um efeito natural. A tristeza é um sentimento ou estado que também alimenta a alma e, como todo alimento, precisa ser devidamente processada e digerida. Quando ela bate, melhor é parar e curtir  do que seguir como se ela não estivesse ali.

Tem a história de um peixe que, após ter encontrado um grande pedaço de comida, agarrou-se a ele e seguiu nadando em vez de parar. Todo atrapalhado, segurava o alimento com uma das barbatanas peitorais enquanto o mordiscava, o que dificultava seu deslocamento e equilíbrio. Ele poderia simplesmente ter parado em algum local tranquilo, comido o necessário e descartado o restante. E, ao prosseguir bem alimentado e desempedido, teria aproveitado muito melhor a sua viagem.

Parece que nós, como esse peixe, às vezes andamos por aí carregando nossa tristeza. Ou pior, seguimos andando como se a carga não existisse, quando o melhor a fazer seria parar, digerir, apreender o necessário e tentar transformar em aprendizado, descartando as sobras no final. A tristeza, assim como a alegria, é um estado apenas. E um estado transitório com o qual também precisamos aprender a conviver. Sem a noção dessa transitoriedade, mais difícil lidar com ela e maior o risco de tomarmos um estado passageiro por uma condição permanente, pelo "ser triste". Se bem assimilado o "estar triste", podemos até nos libertar da carga e reencontrar o caminho em direção ao "ser alegre" com algum equilíbrio e tranquilidade, ainda que apenas temporariamente.

Saravá! A bênção, que eu vou partir...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A primeira Weiss a gente nunca esquece...

a primeira bohemia weiss com limão foi contigo
o primeiro carménère foi contigo
o primeiro kar-wai foi contigo
e agora...
a primeira vez que um assaltante se sentou ao meu lado num restaurante
também foi contigo!
cara! isso tá ficando emocionante!