"O que você sabe sobre esta questão?", disse o Rei para Alice.
"Nada", disse Alice.
"Absolutamente nada?", insistiu o Rei.
"Absolutamente nada", disse Alice.
"Isso é muito importante", disse o Rei... (Lewis Carroll)



domingo, 6 de março de 2011

Transcender é preciso

Pronto. De volta ao espaço sobrenada sobre tudo onde é possível às ideias se espicharem em palavras além do limite de caracteres de um status atual.
Transcendi! É. Depois de tanto Echoes, peguei emprestado o patinete da Suzica e finalmente... transcendi!!! Fui fazer uma daquelas coisas que é bom fazer em duas ou mais pessoas, dependendo da afinidade entre elas, mas que dá muiiiiiiito prazer fazer sozinha também. Coisa do tipo "mulher selvagem que nos habita poder ir para onde quiser, dentro e fora de si mesma...e poder sentir seu conteúdo mais sutil".
Fui e fiquei desquadrilhada e com as ideias em cambalhotas. Pois fui pra onde queria, pra fora de mim, o que logo me levou pra dentro de novo, e pra fora e pra dentro. E aconteceu hoje de manhã, logo depois de acordar. Céu azul, lindo e inspirador. Um bom dia pra soltar a "mulher selvagem" numa boa... 
Caminhada. Alguém pensou em alguma outra coisa? 12 km ida e volta até o cantinho do Iberê. Acho que eu precisava de uma reconciliação com a beira do Guaíba já fazia tempo, e foi só as pernas começarem a andar ali no calçadão descalço da Beira Rio que o azul lindo refletido na água cuidou de achar um "lugar de cozimento" pra "criatividade errante".
As pernas andavam, e as ideias se misturavam em cambalhotas em meio a um sentimento não sei se de tristeza ou de indignação, talvez os dois, com o brutal desarvoramento que fui vendo pelo caminho. Levei um susto quando avistei o museu do Iberê de um lugar que, antes, não era possível avistá-lo. Por conta da instalação da tal tubulação, tudo o que está no caminho vem sendo arrancado. E esse tudo inclui árvores pequenas e grandes, que já moravam ali talvez há bem mais tempo que nós. E a tubulação está lá parada logo após o Parque do Inter, indicando que o desarvoramento tem tudo pra continuar e atingir as espécies talvez até centenárias ali naquele local um pouco antes de chegar ao museu.
O sol já ia alto e deu vontade de sentar na grama embaixo de uma sombra. Coisa mais difícil! Lembrei de uma amiga, ex-parceira de caminhada até aquelas bandas, que costumava dizer "o belo de perto perde todo o encanto". É vero. Quando pensei ter achado o lugar ideal pra sentar e ficar olhando o lago (ou rio, se preferirem), era simplesmente impossível ficar ali por conta do mau cheiro provocado pelos restos de galinhas ou de outros animais mortos e em decomposição, usados em rituais sabe-se-lá-do-que.
Mais adiante, num canto com banco, deu pra sentar embaixo de uma árvore sem restos galináceos e esquecer um pouco os arredores. E foi aí que a maçã caiu na minha cabeça. Não descobri nem reinventei outra lei da gravidade, mas tive um insight muito legal. Percebi que um dos elementos em comum que aproxima meus três lugares preferidos no mundo -- Londres, Manchester e Porto Alegre, exatamente nesta ordem -- é a água. Embora em maior ou menor quantidade, a água é um elemento comum à paisagem urbana desses três lugares. Ë um elemento que não só aproxima, mas também distancia, e muito, essas três cidades em função do modo como é tratada.
Londres, como todo mundo sabe, é uma das capitais mais visitadas do mundo e, quando se deu conta disso, um tempão atrás, tratou logo de se tornar mais atraente ainda aos seus visitantes. E isso necessariamente passou pela água. É só a gente ver o Tâmisa hoje pra ter uma ideia do que foi feito. Não só seu principal rio mereceu atenção; quem já passeou de barco pelos labirintos de canais que levam a gente, por exemplo, do psicodelismo de Camden Town quase direto pros hubble-bubbles do oriente-médio londrino, sabe bem à que me refiro.
Manchester é outro caso digno de mencionar. Nem é uma cidade tão turística assim, mas a revitalização que teve início lá, em meados dos anos 1970 ou início dos 1980, também passou pela água. Canais, antes completamente poluídos, viraram locais de turismo, e a gente pode fazer longas caminhadas a pé ao longo deles. E tudo arrumadinho, até com flores.
Quando me lembro disso, fico imaginando o porquê aqui no Portinho ainda não temos pequenas embarcações indo do Cais do Porto, passando pela Usina, até o cantinho do Iberê e de lá seguindo pra zona Zul. Fico imaginando que tipo de pessoas são essas sentadas em secretarias do gênero que, até agora, só conseguiram imaginar coisas que resultaram, por exemplo, naquelas barracas plastificadas colocadas ali nos arredores do Gasômetro. Sem falar naquele "puxadinho" flutuante medonho colocado sobre a água. É de uma pobreza estética de chorar. Tá, não precisamos ter vidros fumê e passarelas rolantes, nada disso... Mas, vamo combiná! A beleza do Guaíba não combina com essa pobreza de imaginação.
Adoro Porto Alegre e tô aqui por livre escolha, não  por necessidade ou obrigação. E acredito que seja esse meu olhar de turista-residente que me entristece quando ando por aí. Como hoje de manhã. É pena que esse verdadeiro presente da natureza ainda não tenha sido devidamente desembrulhado.
Percebi hoje com a clareza do dia azul que é preciso transcender pra aproveitar a beleza que o Guaíba proporciona. E transcender, nesse sentido, parece significar manter o foco na água e ignorar a sujeira e os maus tratos na margem. Ir limpando o caminho do olhar pra ficar apenas com o resultado que esse olhar proporciona, de tranquilidade, paz no coração e bem-estar.