"O que você sabe sobre esta questão?", disse o Rei para Alice.
"Nada", disse Alice.
"Absolutamente nada?", insistiu o Rei.
"Absolutamente nada", disse Alice.
"Isso é muito importante", disse o Rei... (Lewis Carroll)



terça-feira, 28 de junho de 2011

O gosto do silêncio

Não gosto de celulares. Ou melhor, não tenho nada contra esses aparelhinhos, mas tenho tudo contra seus usuários inconvenientes. E eles, parece, me perseguem por todos os cantos. É assim no cinema ou no teatro, quando senta ao meu lado aquele chato, ou aquela chata, que fica checando as mensagens urgentíssimas a todo o momento. Quando não atende uma ligação, como já aconteceu várias vezes no Guion, por exemplo. Pessoas multitask... superconectadas, habituadas a fazer tudo ao mesmo tempo, incapazes de ficar paradas, nem em silêncio. Desligadas, carregam seus (maus) hábitos pras mais variadas situações.
 
Hoje fui ver a (micro)exposição do Sebastião Salgado. Além das fotos penduradas na parede, tinha também um ser incoveniente pendurado no celular. Percebi o tal incoveniente quando fui abruptamente retirada do meio da sala de uma foto, onde eu havia entrado, não sei como -- poder da fotografia nos carregar pra dentro da imagem, talvez. O ser incoveniente me trouxe de volta pro mundo fora da imagem porque falava muito alto, como se tivesse um megafone acoplado ao aparelho. Num monólogo em espanhol interminável, combinava algo como se eu e as outras duas pessoas que estavam por ali fôssemos parte da combinação. Pink Floyd... Ele tinha as músicas e as letras e estava levando sabe-se lá pra quem e pra onde. Eu só queria que ele se levasse dali pra bem longe e me deixasse voltar pra dentro da sala do retrato de onde ele havia me tirado. Em tempos de hormõnios desequilibrados, eu mesma teria sugerido deseducamente que ele fosse pro banheiro ou pro raio que o partisse pra, de um modo literalmente privado, continuar a conversa que absolutamente não me interessava.
 
Depois de longos intermináveis 10 ou 15 minutos de blablablá, ligação encerrada. Ufa! Não... Nova ligação, agora falando em português, repetindo toda a combinação feita momentos antes. Mas... e eu com isso??? Só estava ali pra ver as fotos!! Uma boa dose de paciência e tolerância me fez continuar ali esperando, esperando o lugar silenciar. E a criatura incoveniente, falando e andando pra cá e pra lá, se foi... poder de pensamento...

Terra, Sebastião Salgado
E finalmente pude ficar ali, na sala vazia, mas cheia de gente, capturada pelo instante mágico de uma lente. E pude ouvir o que aquelas imagens e aqueles olhares tinham pra me dizer. Em silêncio.

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